Tiago (nome fictício), tem 14 anos e estuda em Viseu, no Colégio Via-Sacra, uma instituição privada, de orientação católica.
Não há pergunta que Tiago deixe por responder. Se, por vezes, a misoginia está camuflada pela defesa abstrata dos direitos das mulheres, torna-se visível quando a questão incide sobre a realidade.
Quem é responsável pela partilha de imagens íntimas sem consentimento? “Cá para mim a culpada é quem mandou”, escreve o rapaz de 14 anos. Diogo (nome fictício), 17 anos, tem a mesma opinião: “o responsável é quem mandou os nudes”. O responsável é a vítima.
O Colégio Via-Sacra recusa dar uma entrevista, mesmo depois de confrontado com os comentários misóginos de Tiago. Já a Escola Secundária de Odivelas, onde Diogo estuda, aceitou falar, depois de muito silêncio.
“Não temos conhecimento do que os alunos fazem fora da escola” é a reação imediata do diretor Paulo Gonçalves. É robusta a fila de pais para a secretaria, ao lado da direção.
No gabinete, o professor identifica apenas casos isolados, onde inclui a partilha de imagens íntimas sem consentimento por parte de um rapaz, depois de se ter zangado com a namorada.
O que chega ao gabinete de Psicologia são casos residuais, revela Luísa Silva, psicóloga na Secundária de Odivelas. Na escola, a perceção é a de que a manosfera é uma exceção.
Quem estuda o fenómeno garante que “a manosfera é mainstream, ou seja, já não está na subcultura da dark web ou mais escondida em determinados grupos do reddit, por exemplo”, realça Inês Amaral.
No átrio da Secundária de Odivelas, são muitos os cartazes com os direitos humanos inscritos, em português e em inglês.
Seja na semana da prevenção da violência no namoro ou em palestras regulares, não se pode negar o esforço visível desta escola na promoção da igualdade de género.
O que também é inegável é o discurso misógino, escrito por alunos, nas caixas de comentários de Numeiro.
“A velocidade das coisas é alucinante”, a escola não consegue acompanhar a velocidade da manosfera, admite a psicóloga Luísa Silva, da Secundária de Odivelas.
Apesar do trabalho desenvolvido, “há espaço para fazer mais”, sobretudo, a nível de dinâmicas de grupo que a profissional acredita serem mais eficazes.
No entanto, o fosso entre o conhecimento do corpo docente e o que se está a passar com os jovens continua a ser uma desafio premente.
Este fenómeno “apanha de surpresa o status quo institucionalizado”, não apenas no plano educativo, mas também a nível legal.
“Como são atos praticados numa tecnologia recente, é difícil fazer o enquadramento” criminal adequado. “Não podemos ter um direito desatualizado da realidade”, critica Sandra Ribeiro, presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género.
É necessário aplicar a regulação do discurso de ódio, “qualquer pessoa que detete um conteúdo que apele à violência, ao sexo não consentido” tem de saber onde pode denunciar. A nível nacional, “rareia um mecanismo que obrigue a retirar este tipo de conteúdo online”, acrescenta.
As diretrizes da comunidade do TikTok não permitem oficialmente conteúdos que se enquadrem na categoria de “violência de género”.
Não obstante, a misoginia continua a proliferar online, seja nas contas dos influencers ou em páginas de fãs. O próprio algoritmo sugere aos utilizadores conteúdo tóxico, mesmo que não o procurem.
Todo o conteúdo das mensagens apresentadas nesta reportagem é real.
Apenas tivemos de simular a conversa, criando novos perfis, para proteger a identidade dos jovens entrevistados.
As imagens e os nomes utilizados são fictícios, à exceção de Simão Silva, cuja identidade é revelada conforme a vontade do jovem de 18 anos.
Reportagem da autoria de Guilherme Pinto e João Pinhal
